quarta-feira, 19 de outubro de 2016

A importância do abraço

Todas as vezes que me despedia de minha avó paterna, ao terminar um longo período de férias, ela me dizia: “Deixa eu te dar um abraço. Pode ser o último. Não sei se nos veremos da próxima vez”. Era algo que me deixava inquieto, ao que eu respondia: “Não pense dessa forma, vovó”. Pois bem, passaram-se os anos e, com uma enorme tristeza, recebi um telefonema avisando que ela havia partido para a eternidade! O que minha avó dizia sempre, tornou-se verdade um dia, por mais que eu soubesse e por mais que eu não quisesse.  
Quero falar do abraço. Percebamos como nos faz fortes ou o quanto é significante em nossas vidas toda vez que recebemos ou damos um abraço em alguém. Na chegada ou na partida, na conquista ou na derrota, no amor ou na dor... ele é sempre bem-vindo. Falo do abraço forte, verdadeiro, acolhedor. Aquele que chega a estalar os ossos ou que faz arder o coração.
Como são fortes as imagens de abraço. Elas nos dizem muito. Proponho uma experiência da qual eu pude vivenciar há alguns dias, de maneira inesperada, mas que me despertou ainda mais para a importância do abraço: faça uma busca na internet. Digite os termos: “Papa Francisco abraço”. É um convite à autenticidade humana, à ternura de uma pessoa que se entrega ao abraçar e ao ser abraçada. Isso também é fundamental: a entrega de ambos. Os gestos de Francisco nos dizem muito e faz com que nosso olhar se volte para atitudes realmente cristãs e humanas. É imprescindível que partamos de gestos simples, mas que nos levem a um compromisso com uma realidade a ser transformada. Não vale a pena ficar olhando para os céus a imaginar como são as asas dos anjos, o trono do rei ou a coroa da rainha. Nossa autenticidade parte de um olhar que lanço ao outro que me pede: “abraça-me”. E isso já será suficiente para que a compaixão comece a brotar.
A cura para muitas feridas está no abraço. Viva de forma plena. Abrace pela primeira vez, pela segunda e por tantas e tantas vezes necessárias. Não espere o dia errado, a hora errada, pois seus braços precisam de um encontro e seu coração pede por esse gesto tão simples e tão pleno. A você, o meu abraço!



Imagem: Minha avó, Umbelina, citada na crônica.
Créditos: Érica Leão Costa

quarta-feira, 17 de agosto de 2016

Pai também chora...

Podemos passar a vida inteira sem ver o choro de nosso pai, mas pai também chora.
Se não o expressa é porque certa "normalidade" o proibiu por tempos e tempos, e caímos no erro de achar tudo isso muito comum.
Pois saiba: seu pai já chorou um dia... ou tantos mais.
Chorou quando recebeu a notícia de que ganharia um lindo presente, talvez um o mais significativo e surpreendente, chamado: filho.
Quando ouviu, pela primeira vez, o choro daquele pequeno rebento.
Quando, ao ouvir a palavra "pai", os pelos se arrepiaram.
No momento em que viu o semblante de seu filho triste por estar doente ou por algum outro motivo - certamente faria tudo para não vê-lo assim, nunca.
Pai também chora...
Ao receber aquela primeira homenagem, dessas de escola ou daquelas que ensaiamos dias a fio para dizer o quanto ele é especial. 
Chora também por não poder estar presente nessas ocasiões e em tantas outras, afinal, para muitos, o trabalho não permite que estejam.
Ele chora quando o filho o faz chorar por alguma mágoa ou porque a cria foi para caminhos indesejáveis, perdidos.
O pai chora pela perda da vida de um filho, por não poder abraçar aquele que, há muito, era seu maior presente.
Pai também chora...
Porque ele ama, simplesmente por isso. Porque ele cuida.
Ele pode até não deixar derramar uma gota de seus olhos, mas por querer mostrar-se seguro e forte, ela é derramada em seu coração.
Reconheça que, apesar da ausência da lágrima, o interior de seu "velho" é puro sentimento, por mais duro e rigoroso que pareça.
Chore com ele e por ele também. Chorem juntos...
Isso se chama vida, sensibilidade, amor de pai.
E... se ele já não está mais aqui, se já terminou sua caminhada e trajetória aqui na terra, chore e deixe que o pranto se transforme em PRESENÇA.

segunda-feira, 25 de julho de 2016

Qual é o mistério da vida?

Na tentativa de encontrar uma resposta, ele mergulhou numa infindável pesquisa para desvendar qual seria, de fato, o mistério da vida. Passou por diversas áreas do conhecimento. 
A matemática, embora mostrasse que existem números perfeitos, não lhe trouxe um resultado exato, afinal ele não queria saber de decimais nem de sobras. Sua expectativa era uma explicação exata.
Com a ciência pôde adquirir um conhecimento profundo do que seja a vida. Seus horizontes foram ampliados, mas nada que significasse concretamente aquilo que buscava.
A tecnologia mostrou que o homem pode ir longe; que o ser humano é capaz de operar as mais complexas máquinas até mesmo para seu próprio bem - ou mal - , mas lhe trouxe um certo ar estático, o que o fez perceber que o mistério estava além de toda aquela revolução maquinária, robótica e virtual.
A religião trouxe-lhe diversas formas de ver a vida, múltiplas maneiras de experienciar algo maior, mas ele não se contentou, pois estava certo de que o mistério partia de um só lugar e poderia ser explicado somente de uma mesma forma.
Enfim, depois de tanto esforço, de tanto quebrar a cabeça no anseio de uma resposta, desistiu. Seguiu seu caminho. 
Um dia, sem nem mesmo lembrar da inquietude diante de sua busca, caminhava pelas ruas de sua pequena cidade. Eis que viu uma criança a esconder um objeto, com o maior cuidado para que as outras não o vissem. Em seguida, vieram outras que procuravam incansavelmente por algo. Ele, na ânsia de poder ajudar perguntou a um deles: "O que vocês procuram?", ao que a criança respondeu: "O tesouro. Estamos brincando de caça ao tesouro". "Eu sei o que é e onde está. Posso lhe mostrar", afirmou o rapaz. De maneira segura, o menino lhe disse: "Obrigado, mas não pretendo saber. O gostoso da brincadeira está em procurá-lo".
Ele deu-se por satisfeito. Não precisou fazer mais pesquisas, nem ficar incansáveis noites sem dormir para obter a resposta que tanto queria sobre o mistério da vida. Desde aquele dia, repetia sempre a frase da criança: "O verdadeiro sentido está em procurá-lo". 

terça-feira, 19 de julho de 2016

Persista!

Quase todas as manhãs, antes do horário de me levantar, ouço o barulho do motor de um carro. Insistentemente o motorista faz várias tentativas para ligá-lo. Demora, mas ele não desiste, e o ruído incomoda não só a mim, mas a todos que moram na vizinhança.
Certo dia, notei que ele foi mais insistente. Levou muito tempo para que conseguisse. Entre tentativas e vibrações do veículo, havia algumas pausas. Mas a persistência o levou mais longe até chegar onde queria: o motor do veículo, finalmente, funcionou. Obviamente o incômodo também foi maior.
A vida, mais uma vez, ensinou-me algo: persistir pode até incomodar, mas é a chave para o alcance do objetivo. Quantas vezes deixamos os sonhos de lado por medo de incomodar ou até mesmo por achar que o resultado talvez devesse vir mais rápido? O que seria da ciência, da tecnologia e de tantas outras áreas, se não fosse a persistência diante dos erros com as experiências?
Talvez o dono do carro pudesse trocá-lo, afinal, existem modelos mais modernos e que resolveriam o problema, mas o julgamento num momento desses, sem conhecer, de fato, os porquês, não nos cabe. Podem existir inúmeros. Quem sabe o veículo seja, para ele, mais que uma simples máquina. É que, com o tempo, as coisas podem se tornar sacramentos, afinal, aquilo fez e faz parte de uma história.
Por isso, persista! Muitos apresentadores, atores, cantores, enfim, se tivessem desistido no primeiro “não” que receberam, talvez nem fossem tão conhecidos e nem estivessem no lugar e palco merecidos. Quantos talentos perderíamos se a persistência não falasse mais alto? Quantos corações não estariam feridos não fosse a persistência do perdão?
O incômodo sem objetivo é invasivo, destruidor, mas quando há uma conquista como propósito, é válido. Mesmo que tenha que fazer pausas, silenciar-se por alguns minutos, incomode, mas persista! 




sexta-feira, 1 de abril de 2016

Alpendres


Lá havia um banco feito de madeira, não muito alto tampouco grande, daqueles que têm um triângulo vazado em cada ponta e que fazem a parte dos pés; três canos de ferro colocados entre a mureta e o telhado como sustentação e, ao mesmo tempo, era a ornamentação daquele tempo. Chamávamos de “alpendre”, uma espécie de recepção antes de entrarmos na sala da casa. Era ali que brincávamos, onde os adultos se sentavam para conversar e observar a parte externa da casa, o entardecer, principalmente. As crianças brincavam de pique-pega ou simplesmente de se entrelaçarem nos canos do alpendre. Um cheiro de café vinha lá da cozinha, o que justificava a ausência da dona da casa ali, naquele momento. E, no ponto alto da conversa, das brincadeiras, um prato esmaltado e copos tipo americano eram depositados na mureta junto a uma garrafa do delicioso café.
Coisas que a vida na simplicidade nos proporcionava e que, para alguns, ainda proporciona. Voltemos aos alpendres, mesmo que as estruturas das casas hoje não nos permitam. Temos sempre sede desse encontro de fim de tarde, das brincadeiras que nos tiram da acomodação e nos devolvem o contato com o natural. O nosso coração precisa ter um espaço onde possamos acolher as pessoas de uma forma especial, onde tenhamos todo o tempo do mundo para sentarmos no banco de madeira (ou não), conversar, saborear um café e poder observar as crianças a correrem livremente sem medo do amanhã ou da esquina ou da clausura. O alpendre, embora aberto, é seguro, lugar para se abrigar da chuva ou até mesmo para observá-la; é o lugar do encontro e da acolhida. Entrar na casa, depois disso, chama-se confiança.

domingo, 31 de janeiro de 2016

"Jesus te ama" é verbo

      Pode parecer um tanto estranho ou contraditório àquilo que sempre vivi, principalmente para quem me conhece há muito e de maneira mais profunda, mas quero falar da frase: “Jesus te ama”. Na verdade, não exatamente da expressão, mas da forma como é utilizada e pronunciada por muitos.

É muito comum, em alguns momentos, chegar uma pessoa, olhar em nossos olhos – ou não – e pronunciar num tom de voz quase orante “Jesus te ama”. Utilizo aqui o termo “quase”, pois percebo uma falta de firmeza e mesmo de verdade por parte de alguns ou da maioria que a repetem exaustivamente. É preocupante que saiam por aí a dizer por dizer tal frase.
Vamos à Bíblia. Se prestarmos atenção, Jesus não abusa da expressão amor enquanto substantivo. Quando a pronuncia, traz o sentido de verbo, pois este precisa de ação. No evangelho de João, ao perguntar para Pedro se ele o ama, vem, de imediato, o pedido do mestre: “Cuide de minhas ovelhas” (conf. Jo 21, 15). Aos discípulos, na última ceia, disse: "Este cálice é a nova aliança do meu sangue, que é derramado por vocês" (Lc 22,20). É como se ouvíssemos de Jesus: Eu entrego a minha vida por vocês, e não simplesmente “Eu te amo”, sem complemento ou compromisso. Mais importante que dizer, é ser, é fazer. A palavra desaparece como uma fumaça. Precisamos ter atitudes. Dizer “Jesus te ama” deve partir do coração e do testemunho. Muitas vezes nem é necessário que se diga. A nossa ação falará por nós.
Numa sociedade que vive do egocentrismo em meio a tantos “selfies” desnecessários, narcisismos que nada nos faz crescer enquanto seres realmente humanos, a frase “Jesus te ama” ou até mesmo “Você sabe que eu te amo”, ou qualquer coisa parecida, se não vem carregada de compromisso e de cuidado pelo outro, de entrega, de verdade, não fará sentido e não merecerá qualquer “curtida” sequer que seja “compartilhada”.
Portanto, ao pensar em pronunciar uma expressão que provoque impacto ou que, de fato, cure qualquer ferida, primeiro seja protagonista. Creia no amor de Jesus, entenda-o e vivencie-o primeiro. Aqueles que passavam e nada faziam também falavam do amor de Deus para as pessoas, mas somente o “samaritano” que passou, parou e acolheu aquele que estava ferido é que viveu esse amor e pode falar dele. É preciso dizer “Jesus te ama”, mas de uma outra forma: “Jesus entregou a vida por nós”. Se alguém não entender que essa foi a maior forma de amor...




segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

Varrer o "terreiro" (quintal)

Uma das tantas coisas ensinadas por minha mãe, na infância, foi a de varrer o “terreiro” (quintal da casa) na sexta-feira. Ela dizia para limparmos nesse dia, pois no sábado, “Nossa Senhora” passaria por ele e nos faria uma visita. Assim, íamos ao pasto colher galhos de alecrim, um tipo de capim cheiroso e eficiente para tal finalidade. O próprio ato de sair de casa para buscar os ramos já era motivo de contentamento, afinal, crianças se divertem e trazem um entusiasmo enorme quando são convidadas a desempenharem uma tarefa importante e educativa junto a um adulto. Isso as faz sentir úteis, respeitáveis.

Quando o terreiro estava limpo, um ar leve corria por todos os lados e trazia um perfume característico daquele tipo de mato utilizado na limpeza. Naquele momento, a minha impressão era que tudo estava bom, pronto para uma grande festa, e que minha casa era a mais linda de todas, pois o quintal estava limpo, sem qualquer sujeira e empecilho. No sábado, pela manhã, um frescor tomava conta do espaço e podíamos ver bem desenhadas as trilhas por onde passávamos, os espaços embaixo das árvores detalhados pelo rastro da vassoura feita de alecrim. Gostávamos de correr, de colocar nossos carrinhos de brinquedo naquele chão limpo e de ficar ali à noite, sentados sobre um banco feito por um tronco cortado, a conversar até a hora de dormir. Se “Nossa Senhora” passou ali, é questão de fé, mas uma leveza e um contentamento nos envolvia. Isso era certo.

Varrer o terreiro é essencial. Quantas coisas juntamos durante o dia, a semana ou mês e quem sabe, até anos e não varremos? Às vezes precisamos de um cheiro de alecrim ou um ar novo de limpeza para melhorar nossa vida. As “visitas” acontecem a cada hora em nosso coração, por isso ele deve estar sempre limpo, livre de amarras, de mágoas, de qualquer empecilho que não nos deixem acolher os outros em nossa casa, em nosso interior. É preciso varrer o quintal. Minha mãe estava certa. O que sentimos quando o fazemos é sublime.

Quantas trilhas e espaços dentro de nós precisam de uma boa limpeza e fortalecimento? Eles desaparecem porque estão cheios de cacos espalhados, de resíduos que, facilmente, conseguimos se limparmos o nosso “terreiro interior”. Pense nisso!        


Foto: Lucélia Arantes

 

segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

Casa sacramento


Esta era a casa...
Morávamos, minha família e eu, numa casa simples, típica da época. Era a que meu pai, ainda solteiro, havia construído já com os olhos fixos em seu casamento. Talvez por isso até hoje, mesmo com a estrutura comprometida, ele utiliza os velhos cômodos para guardar utensílios, ferramentas e entulhar objetos que não mais utilizamos. Talvez por isso, também, faça questão de preservar da forma que está, mas nunca derrubá-la, por fazer parte de suas conquistas. Rubem Alves tinha razão ao dizer “quando as coisas despertam saudades e fazem brotar, no coração, a memória do amor e o desejo da volta, dizemos que são sacramentos” (Livro: Creio na ressurreição do corpo, Rubem Alves). 
Dessa forma, se aquela casa, apesar da simplicidade, faz brotar tantas emoções e sentimentos, é porque meu pai a considera como sacramento. E disso ninguém duvida. Quantas coisas, momentos ou pessoas tornam-se assim para nós. A casa de meus pais, a antiga, apesar de sua aparência velha, com algumas paredes já quebradas pelo tempo, é um lugar que considero “sagrado” por ter vivido ali os primeiros anos de minha vida e aprendido tanto. 
Tive oportunidade de estar lá dias desses e fiz questão de ficar por um momento dentro dela a observar cada detalhe. Meu antigo quarto, aliás, nosso, pois éramos muitos para poucas camas; a janela da cozinha de onde eu observava a marca do sol para saber o horário certo de me aprontar para a escola; a varanda onde ainda tem um forno grande à lenha que servia para assar biscoitos e tantas comidas gostosas. São sacramentos. Despertaram em mim uma enorme saudade e uma vontade de ficar, mas com direito a tudo como era antes. 
A vida é assim. Deus é assim: na simplicidade Ele se revela. Agradeço a meus pais por me mostrarem tudo isso. Que seu filho(a) possa te agradecer também um dia.


Foto: Lucélia Arantes

terça-feira, 12 de janeiro de 2016

A força do fogão a lenha


Era muito prazeroso acordar, todas as manhãs, com o cheiro do café preparado por minha mãe e pelo barulho que o papai fazia ao abrir as “tramelas” das janelas de madeira. Para quem nunca viu ou desconhece, tramela é uma pequena tábua que serve como tranca.
Tínhamos o costume de chegar na cozinha e sentar sobre uma das partes do fogão a lenha. No máximo, davam para ficar duas crianças, o que fazia surgir disputas pelo aconchego. Embora não coubessem todos, o fogão reunia a família. Ficávamos ao redor para tomarmos o café. Chamávamos de “tirijum”, derivado da palavra “desjejum”. Como era bom! Hoje bate a saudade daqueles encontros.
O fogão a lenha era a televisão ou o computador de hoje, porém com uma diferença enorme: olhávamos não uma tela, mas nos olhos uns dos outros. Podíamos falar sobre algo, discutir, contar piadas, fazer planos, sonhar e viver. Aprendíamos com as histórias que nossos pais nos contavam. Ouvíamos, pelo rádio, as primeiras músicas das manhãs. Elas, geralmente, falavam de coisas típicas da vida na roça,  de amores e desamores, de histórias bem contadas e, sobretudo, cantadas.
Para acender o fogo naquele tipo de fogão era necessário técnica. Não podia ser de qualquer jeito, senão o que se via era só fumaça para arder os olhos. Colocar um "pau de lenha"  mais grosso para que as chamas ficassem mais fortes e permanecessem por maior tempo era o básico. No decorrer do dia era só alimentá-lo com gravetos ou palhas ou sabugos de milho. Há uma teologia nisso. Pense bem.
Que saudades do fogão a lenha. Que saudades de nossos encontros que não acontecem com tamanha naturalidade e sem intervenções. Quem sabe, hoje, o espaço e o fogão sejam outros. Façamos acontecer!


Foto: Lucélia Arantes



quinta-feira, 7 de janeiro de 2016

Uma pausa para o silêncio


Tive uma experiência simples, porém, incrível.
Enquanto fazia um serviço em casa, precisei da ajuda de outra pessoa, afinal, eu não tinha tanta experiência assim. Para minha surpresa, quem veio para dar a mão foi um vizinho da casa de meus pais onde eu estava, à primeira vista, sem nenhuma diferença, porém, é deficiente auditivo, o que o impede de falar também. Talvez por isso tenha se tornado tão habilidoso e atento a tudo ao seu redor.
Mas o que, de fato, me chamou a atenção foi o silêncio. Como ele nos ajuda a trabalhar e olhar o mundo com mais calma e maior admiração. Executávamos a tarefa somente a partir de gestos, e me deliciei com a ausência de sons, inclusive da voz. Isso me ajudava a olhar mais e ouvir melhor. Pode parecer paradoxal, mas é assim mesmo. O silêncio nos faz ouvir o necessário. Outras coisas se tornam banais.
O barulho, hoje, não está somente nos ruídos externos. Imagens, frases, opiniões e julgamentos infundados são muito barulhentos também. E o que falar do estrondo produzido pelos olhos e mãos grudadas na tecnologia digital? A necessidade está na escuta. Nunca foi tão importante o ato de parar para ouvir seja a própria voz, a do outro, do mundo e aquela voz superior a quem muitos chamam de Deus.
Deixar de lado o barulho seja de sons ou não, trará muita percepção, principalmente aquela tão necessária para os dias atuais: a capacidade de acolher o outro, o diferente, ou até mesmo aquele tão próximo, da mesma casa, do mesmo quarto. O som, muitas vezes, desvia nossa atenção de alguns detalhes essenciais. Tantos dizem só saber trabalhar com um aparelho sonoro ligado, pois traz mais criatividade e destreza. Será que já provaram trabalhar ou criar no silêncio? O resultado pode ser surpreendente. Se já o experimentou e não conseguiu, o tempo não foi suficiente fazer a limpeza cerebral necessária. Tente.
A experiência com o deficiente auditivo me trouxe benefícios. Foi um presente. Ganhei uma chamada de atenção necessária para minha caminhada e a de tantos. Aprendi mais uma vez que a pausa para o silêncio pode nos fazer maiores, mais capazes e mais admiradores do que é simples e essencial: a vida.

Foto: Lucélia Arantes