quarta-feira, 5 de julho de 2017

Fale-me de você

(Sugiro que ouça, durante a leitura, o som que está no vídeo ao fim do texto. Faça uma leitura lenta)

Fale-me de você!
Vamos, diga-me algo sobre você. É preciso que isso aconteça: que pare um pouco e fale-me a seu respeito.
Conte-me como anda sua vida, suas sensações.
Não. Não quero saber sobre o valor que pagou pelo ingresso naquele evento. Nem mesmo me interessa discursar a respeito da cor que deveriam ter pintado o prédio da esquina. Também não nos distraia falando sobre futebol, cozinha, política, religião...
Quero ouvir sobre você.
Vamos juntos sentar naquele banco, ao som do movimento da vida, encarando-nos mutuamente, sem deixar que os olhos passeiem por sobre os ombros ou que, por um descuido, a nossa atenção se perca.
Quero ouvir sobre sua vida, das coisas que te fazem bem, das que te completam. Conte-me se o seu sentimento é de satisfação ou tristeza. O que me importa não são os motivos e sim a sua verdade, a pureza ao me falar de você.
Permita-me escutá-lo e permita-se confiar em mim. Diga-me se conquistou o que andava buscando. Se não, também não importa. O que conta é a lição que tirou de tudo aquilo que tenha vivenciado. Até porque corremos o risco de aprender mais com as derrotas que com as vitórias.

Fale-me de você. Pare. É necessário que deixe um pouco de lado as outras coisas e converse comigo. Por que a pressa? É e será sempre assim? Até quando? Não olhe para o relógio. Ele não importa agora. Olhe em meus olhos e me conte. Pode ser por meio do silêncio. Às vezes ele fala mais que muitas palavras.
O mundo anda tão cheio de coisas, tão lotado de pessoas com pouco espaço para sentimento, com pouco tempo para ouvir e escutar.  
Tudo bem? Como anda seu coração? O que tem sentido?
Fale-me de nossa amizade, de sua família, de seu cachorro. Você tem cachorro?
Preciso ouvir você. Ou será você que necessita tanto falar?
Fale-me de você!




Imagem: pixabay.com


segunda-feira, 3 de julho de 2017

Escolher feijão, uma tarefa instrutiva

Quem já teve o prazer de "escolher" feijão ou, pelo menos, viu alguém a desempenhar tal tarefa, pode entender aonde eu quero chegar. É uma terapia e tanto, é instrutivo, além de ser necessário, claro.

Cada um tem sua forma de fazê-lo. Geralmente colocam-se os grãos sobre uma superfície plana, uma mesa, talvez, e vai puxando aos poucos. Aqueles que não prestam, de forma alguma - os podres, os corroídos, as pedras e afins - são separados num monte à parte para serem descartados. A vasilha, a gente deixa no colo para, quando escolhidos, serem nela depositados.

Dentre os que ficam, há alguns que nos dão a impressão de inutilidade por serem diferentes quanto à cor, tamanho, fragilidade e até mesmo pela aparência enrugada. Mas são bons. Farão a mesma função que todos. São feijões!


Tais quais são as nossas escolhas. É preciso separar aquilo que não presta, que pode nos fazer mal ou até mesmo tornar-se pedra no caminho. Mas muitos confundem: afastam-se do que é diferente, pelo simples fato de não possuírem as mesmas “medidas” consideradas normais por grande parte. Esquecem que não somos feitos a partir de um único molde, e que muitas circunstâncias podem trazer consigo detalhes que farão com que as diferenças germinem, e assim, cada vez mais, o que possuía uma forma única apresenta-se com diferentes rostos, tamanhos e cores e tantas outras.

Isto não é ruim. É enriquecedor e nos ajuda a abrir os olhos para os mais diversos horizontes, afinal, somos seres dinâmicos, não formatados. A beleza da vida está em abrirmo-nos às possibilidades, nunca em nos fechar dentro de um casulo e não querer enxergar que a transformação pode acontecer com o nascer das asas.

Separemos os feijões. À parte ficarão os que não prestam, não por suas alterações, mas porque já estão podres ou são simplesmente detritos. Mas aqueles que têm características diferentes, deixemos. São feijões e não deixam de sê-los. O tempero e o acompanhamento é que darão o toque final. E... no momento certo (ou não), todos irão para a mesma vasilha.


domingo, 18 de junho de 2017

Olhares...

Eu gosto do olhar!

Eu gosto da verdade que os olhos revelam.

Eu gosto dos olhos...

Eu gosto do levantar das sobrancelhas quando o encontro é surpreendente e inesperado.

Eu gosto dos cílios carregados de restos de lágrimas que, por tantos motivos, trazem uma história alegre ou triste...

Eu gosto do olhar!

Apaixono-me pelos olhos que se direcionam ao mais necessitado, ao que carece de atenção e amor e carinho, e abraço.

Gosto dos olhos que se voltam para o Criador, que reconhecem a presença de um Outro que se fez humano e que se aproxima e se deleita com aquilo que nos é tão particular e mais humano ainda...

Eu gosto do olhar quando carrega um segredo e sabe nos deixar curiosos.

Eu gosto dos olhos que transmitem paz, que me deixam seguro ao dizer, sem a necessidade de pronunciar: “Confie em mim! Segure minha mão e caminhe comigo”.

Apaixono-me pelo olhar tímido que, lentamente, acaba por se mostrar o mais acolhedor e se derrama em sentimento puro.

Eu gosto dos olhos da criança a pedir para brincar e se atirar na lama juntos, daquela que acompanha um contar de histórias movendo os olhos para cada acontecimento.

Eu gosto do olhar profundo, mas que se apresenta na simplicidade, e do olhar que arrebata e exala o mais intenso brilho, a mais estranha e desejável paixão.

Eu gosto dos olhos, apaixono-me pelo olhar...





Imagem: pixabay.com

quinta-feira, 15 de junho de 2017

Aproximar-se

Numa de minhas viagens para o interior de Minas, lugar onde meus pais moram e, claro, onde nasci, fiquei a observar algumas casas, dessas que ficam em meio a árvores, e distantes, lá no pé da montanha. Foi fácil imaginar o jeito gostoso de como deve ser a vida ali, naquele canto aparentemente de paz. Isso mesmo, aparente, pois uma de nossas manias é pensar que a beleza do lugar, visto de longe, livra-o de ter seus problemas típicos.
Demoramos para entender que contratempos e dificuldades existem em qualquer lugar, que ali a vida pode ser dura, afinal as muitas facilidades de quem vive numa zona urbana, não encontramos lá no pé da Serra ou no meio do Cerrado. A recíproca é também verdadeira.

É preciso aproximar-se para conhecer, para ver de perto e até mesmo fazer a experiência com quem está distante. Pode ser que tenhamos boas surpresas, mas pode também não ser. Tal qual o drama do palhaço que, por fora transborda de alegria, mas é capaz de esconder uma dor interna, incompatível com os montões de cores e acessórios que o fazem engraçado.
Olhar tudo desde a comodidade do nosso lugar e tecer apontamentos que julgamos certos pode ser perigoso.
É necessário que nos aproximemos; que deixemos de analisar as coisas e as pessoas a partir daquilo que, para mim ou para o meu grupo seleto, é bom ou ruim.
A beleza pode vir da paisagem, mas a realidade está além. Aproxime-se e entenda!




Imagem: http://blog.chicomaia.com.br/wordpress/wp-content/uploads/2012/12/118.jpg

terça-feira, 13 de junho de 2017

O valor de uma base sólida

O jovem universitário, no assento do ônibus, lia suas anotações com determinação. Supostamente ele faria uma avaliação assim que chegasse em sua Universidade. Muitas delas estavam sinalizadas com marca-texto, aquele de cor verde-limão. Bom, esse detalhe não é lá grandes coisas.
Como eu estava em pé, porque acredito que qualquer leitor saiba: numa cidade como São Paulo, no horário de pico, é premiado aquele ou aquela que consegue um lugar ao sol, digo, um assento livre dentro do ônibus. Já tal pormenor é grande coisa, apesar do paradoxo entre os termos, pois é uma situação angustiante que os trabalhadores enfrentam todos os dias, mas voltemos ao jovem universitário.
O fato de ele estudar numa situação dessas é muito comum, mas o que despertou a minha atenção foi que, entre as palavras de suas anotações, escritas à mão – o que hoje em dia é raro – vi a expressão “capitalismo” escrita com “p” mudo: “captalismo”. E não foi uma vez. Vi que todas as vezes que aparecia o termo, a grafia era a mesma. Ou ele absorveu tanto a ideia de tal sistema, a ponto de “economizar” a vogal “i”, sei lá, por ser adepto da ideia de que é preciso guardar para que se tenha mais no futuro; ou, o que me parece ser, infelizmente, a mais pura realidade, o universitário escreve da maneira que lhe convém, afinal, o adjetivo já diz tudo: jovem universitário. Ele já o é por excelência. Não é necessário saber que a palavra “capitalismo”, tão usual, não é escrita com “p” mudo.
A etapa mais importante em uma construção, nem é preciso perguntar a um engenheiro ou pedreiro, é a base. Tudo se sustenta a partir dela. Quanto mais firme, mais seguro será o edifício ou o sobrado ou a casa. Corre-se o risco de um desmoronamento ou de uma rachadura acontecer durante ou depois que já estiver edificado. A educação é assim. Seja feita uma boa base. Exija de cada etapa o que convém, senão depois a gente pode se deparar com tais desmoronamentos: o perigo de escrever uma palavra tão usual com uma economia desnecessária.

Não pude observar mais, pois um dos assentos ficou livre para mim. Se eu não o ocupasse, correria o sério risco de chegar em meu local de trabalho já cansado por ter feito a entediante viagem em pé. Esse mundo “captalista” é assim mesmo!

quinta-feira, 27 de abril de 2017

Talvez...

Talvez ele deveria ter esperado, em algumas situações, para experimentar o quanto vale a paciência.
Talvez se ele tivesse aproveitado um pouco mais a companhia de algumas pessoas tão significativas em sua vida, numa simples conversa que pudesse ter durado mais tempo; naquele singelo partilhar de um pedaço de bolo preparado com tanto carinho para recebê-lo; num desses encontros para jogo de cartas ou roda de músicas embaladas pelo toque de um violão; naquele esperar do ônibus enquanto não acontecia a despedida tão dolorosa, ou na chegada, quando o aguardava tão carinhosamente e de forma ansiosa, pois o bom do momento era poder ouvir a voz e olhar nos olhos um do outro. Quem sabe assim ele teria se alimentado de maneira a satisfazer​-se da companhia e do afeto, diante de pequenos atos que se tornariam grandes, memoráveis, agora transformados em saudade...
Talvez tenha faltado olhar para outras pessoas. Quem sabe tivessem tanto para partilhar quanto aquelas a quem ele deu mais atenção. Dessa forma teria aprendido a arte do olhar além, do acolher aquele que, para ele, parecia diferente.
Talvez ele deveria ter trocado aquele presente que custara tão caro, pelo demorar de um abraço que exigiria dele somente a proximidade... 
Talvez ele seria mais coerente consigo e com os outros, se tivesse guardado, num lugar bem protegido, aquelas cartas que eram tão preciosas, mas que, por não ouvir seu coração, destruiu. Pode ser que tenha perdido a oportunidade de aprender o quanto é valioso relembrar e contemplar aqueles papéis, aquelas letras com particularidades e que, um dia, o deixaram ansioso ou surpreso ao receber.
Talvez... quem sabe... mas o que conta é poder, em tempo, perceber o lado da vida que significa muito.
Talvez... 

sábado, 22 de abril de 2017

Proponho a você...

Há algum tempo as redes sociais vêm sendo bombardeadas dos tais “desafios”. E, diga-se de passagem, há para os mais diversos gostos.
Entretanto a situação está ficando tão chata e perigosa, que a vida também está em jogo. Aliás, a brincadeira ganhou um destaque que não é seu, afinal, estamos falando de “vida” e nada é mais precioso.
Não quero, aqui, discorrer sobre os tais provocações, sejam essas narcisistas ou mortais.
Gostaria de fazer, não um desafio, pois este termo pode gerar competição, e quando lidamos com pessoas, competir não fala mais alto que o afeto, o altruísmo, a parceria...
Proponho visitas, encontros, leituras, abraços, conversas, enfim, tudo aquilo que nos distancia das máquinas e de quaisquer meios tecnológicos.
Vá a uma festa, mas proponho não postar qualquer foto que seja em redes sociais; proponho marcar com os amigos uma visita a alguém que necessite, ou que você mesmo seja visitado, mas que não publique nada a respeito, apenas conviva e sinta como é bom aquilo que nos aproxima dos outros.
E te proponho também: olhe o mundo, abra um livro, prepare um café, arrume a sua cama e sinta o prazer de fazer as pequenas coisas observando os mínimos detalhes, pois esses é que nos tornam grandes e autênticos.
Não é necessário deixar as redes sociais. Basta permitir elas não se tornem o melhor de sua vida. Há pessoas e lugares precisando de você, e vice versa...