domingo, 31 de janeiro de 2016

"Jesus te ama" é verbo

      Pode parecer um tanto estranho ou contraditório àquilo que sempre vivi, principalmente para quem me conhece há muito e de maneira mais profunda, mas quero falar da frase: “Jesus te ama”. Na verdade, não exatamente da expressão, mas da forma como é utilizada e pronunciada por muitos.

É muito comum, em alguns momentos, chegar uma pessoa, olhar em nossos olhos – ou não – e pronunciar num tom de voz quase orante “Jesus te ama”. Utilizo aqui o termo “quase”, pois percebo uma falta de firmeza e mesmo de verdade por parte de alguns ou da maioria que a repetem exaustivamente. É preocupante que saiam por aí a dizer por dizer tal frase.
Vamos à Bíblia. Se prestarmos atenção, Jesus não abusa da expressão amor enquanto substantivo. Quando a pronuncia, traz o sentido de verbo, pois este precisa de ação. No evangelho de João, ao perguntar para Pedro se ele o ama, vem, de imediato, o pedido do mestre: “Cuide de minhas ovelhas” (conf. Jo 21, 15). Aos discípulos, na última ceia, disse: "Este cálice é a nova aliança do meu sangue, que é derramado por vocês" (Lc 22,20). É como se ouvíssemos de Jesus: Eu entrego a minha vida por vocês, e não simplesmente “Eu te amo”, sem complemento ou compromisso. Mais importante que dizer, é ser, é fazer. A palavra desaparece como uma fumaça. Precisamos ter atitudes. Dizer “Jesus te ama” deve partir do coração e do testemunho. Muitas vezes nem é necessário que se diga. A nossa ação falará por nós.
Numa sociedade que vive do egocentrismo em meio a tantos “selfies” desnecessários, narcisismos que nada nos faz crescer enquanto seres realmente humanos, a frase “Jesus te ama” ou até mesmo “Você sabe que eu te amo”, ou qualquer coisa parecida, se não vem carregada de compromisso e de cuidado pelo outro, de entrega, de verdade, não fará sentido e não merecerá qualquer “curtida” sequer que seja “compartilhada”.
Portanto, ao pensar em pronunciar uma expressão que provoque impacto ou que, de fato, cure qualquer ferida, primeiro seja protagonista. Creia no amor de Jesus, entenda-o e vivencie-o primeiro. Aqueles que passavam e nada faziam também falavam do amor de Deus para as pessoas, mas somente o “samaritano” que passou, parou e acolheu aquele que estava ferido é que viveu esse amor e pode falar dele. É preciso dizer “Jesus te ama”, mas de uma outra forma: “Jesus entregou a vida por nós”. Se alguém não entender que essa foi a maior forma de amor...




segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

Varrer o "terreiro" (quintal)

Uma das tantas coisas ensinadas por minha mãe, na infância, foi a de varrer o “terreiro” (quintal da casa) na sexta-feira. Ela dizia para limparmos nesse dia, pois no sábado, “Nossa Senhora” passaria por ele e nos faria uma visita. Assim, íamos ao pasto colher galhos de alecrim, um tipo de capim cheiroso e eficiente para tal finalidade. O próprio ato de sair de casa para buscar os ramos já era motivo de contentamento, afinal, crianças se divertem e trazem um entusiasmo enorme quando são convidadas a desempenharem uma tarefa importante e educativa junto a um adulto. Isso as faz sentir úteis, respeitáveis.

Quando o terreiro estava limpo, um ar leve corria por todos os lados e trazia um perfume característico daquele tipo de mato utilizado na limpeza. Naquele momento, a minha impressão era que tudo estava bom, pronto para uma grande festa, e que minha casa era a mais linda de todas, pois o quintal estava limpo, sem qualquer sujeira e empecilho. No sábado, pela manhã, um frescor tomava conta do espaço e podíamos ver bem desenhadas as trilhas por onde passávamos, os espaços embaixo das árvores detalhados pelo rastro da vassoura feita de alecrim. Gostávamos de correr, de colocar nossos carrinhos de brinquedo naquele chão limpo e de ficar ali à noite, sentados sobre um banco feito por um tronco cortado, a conversar até a hora de dormir. Se “Nossa Senhora” passou ali, é questão de fé, mas uma leveza e um contentamento nos envolvia. Isso era certo.

Varrer o terreiro é essencial. Quantas coisas juntamos durante o dia, a semana ou mês e quem sabe, até anos e não varremos? Às vezes precisamos de um cheiro de alecrim ou um ar novo de limpeza para melhorar nossa vida. As “visitas” acontecem a cada hora em nosso coração, por isso ele deve estar sempre limpo, livre de amarras, de mágoas, de qualquer empecilho que não nos deixem acolher os outros em nossa casa, em nosso interior. É preciso varrer o quintal. Minha mãe estava certa. O que sentimos quando o fazemos é sublime.

Quantas trilhas e espaços dentro de nós precisam de uma boa limpeza e fortalecimento? Eles desaparecem porque estão cheios de cacos espalhados, de resíduos que, facilmente, conseguimos se limparmos o nosso “terreiro interior”. Pense nisso!        


Foto: Lucélia Arantes

 

segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

Casa sacramento


Esta era a casa...
Morávamos, minha família e eu, numa casa simples, típica da época. Era a que meu pai, ainda solteiro, havia construído já com os olhos fixos em seu casamento. Talvez por isso até hoje, mesmo com a estrutura comprometida, ele utiliza os velhos cômodos para guardar utensílios, ferramentas e entulhar objetos que não mais utilizamos. Talvez por isso, também, faça questão de preservar da forma que está, mas nunca derrubá-la, por fazer parte de suas conquistas. Rubem Alves tinha razão ao dizer “quando as coisas despertam saudades e fazem brotar, no coração, a memória do amor e o desejo da volta, dizemos que são sacramentos” (Livro: Creio na ressurreição do corpo, Rubem Alves). 
Dessa forma, se aquela casa, apesar da simplicidade, faz brotar tantas emoções e sentimentos, é porque meu pai a considera como sacramento. E disso ninguém duvida. Quantas coisas, momentos ou pessoas tornam-se assim para nós. A casa de meus pais, a antiga, apesar de sua aparência velha, com algumas paredes já quebradas pelo tempo, é um lugar que considero “sagrado” por ter vivido ali os primeiros anos de minha vida e aprendido tanto. 
Tive oportunidade de estar lá dias desses e fiz questão de ficar por um momento dentro dela a observar cada detalhe. Meu antigo quarto, aliás, nosso, pois éramos muitos para poucas camas; a janela da cozinha de onde eu observava a marca do sol para saber o horário certo de me aprontar para a escola; a varanda onde ainda tem um forno grande à lenha que servia para assar biscoitos e tantas comidas gostosas. São sacramentos. Despertaram em mim uma enorme saudade e uma vontade de ficar, mas com direito a tudo como era antes. 
A vida é assim. Deus é assim: na simplicidade Ele se revela. Agradeço a meus pais por me mostrarem tudo isso. Que seu filho(a) possa te agradecer também um dia.


Foto: Lucélia Arantes

terça-feira, 12 de janeiro de 2016

A força do fogão a lenha


Era muito prazeroso acordar, todas as manhãs, com o cheiro do café preparado por minha mãe e pelo barulho que o papai fazia ao abrir as “tramelas” das janelas de madeira. Para quem nunca viu ou desconhece, tramela é uma pequena tábua que serve como tranca.
Tínhamos o costume de chegar na cozinha e sentar sobre uma das partes do fogão a lenha. No máximo, davam para ficar duas crianças, o que fazia surgir disputas pelo aconchego. Embora não coubessem todos, o fogão reunia a família. Ficávamos ao redor para tomarmos o café. Chamávamos de “tirijum”, derivado da palavra “desjejum”. Como era bom! Hoje bate a saudade daqueles encontros.
O fogão a lenha era a televisão ou o computador de hoje, porém com uma diferença enorme: olhávamos não uma tela, mas nos olhos uns dos outros. Podíamos falar sobre algo, discutir, contar piadas, fazer planos, sonhar e viver. Aprendíamos com as histórias que nossos pais nos contavam. Ouvíamos, pelo rádio, as primeiras músicas das manhãs. Elas, geralmente, falavam de coisas típicas da vida na roça,  de amores e desamores, de histórias bem contadas e, sobretudo, cantadas.
Para acender o fogo naquele tipo de fogão era necessário técnica. Não podia ser de qualquer jeito, senão o que se via era só fumaça para arder os olhos. Colocar um "pau de lenha"  mais grosso para que as chamas ficassem mais fortes e permanecessem por maior tempo era o básico. No decorrer do dia era só alimentá-lo com gravetos ou palhas ou sabugos de milho. Há uma teologia nisso. Pense bem.
Que saudades do fogão a lenha. Que saudades de nossos encontros que não acontecem com tamanha naturalidade e sem intervenções. Quem sabe, hoje, o espaço e o fogão sejam outros. Façamos acontecer!


Foto: Lucélia Arantes



quinta-feira, 7 de janeiro de 2016

Uma pausa para o silêncio


Tive uma experiência simples, porém, incrível.
Enquanto fazia um serviço em casa, precisei da ajuda de outra pessoa, afinal, eu não tinha tanta experiência assim. Para minha surpresa, quem veio para dar a mão foi um vizinho da casa de meus pais onde eu estava, à primeira vista, sem nenhuma diferença, porém, é deficiente auditivo, o que o impede de falar também. Talvez por isso tenha se tornado tão habilidoso e atento a tudo ao seu redor.
Mas o que, de fato, me chamou a atenção foi o silêncio. Como ele nos ajuda a trabalhar e olhar o mundo com mais calma e maior admiração. Executávamos a tarefa somente a partir de gestos, e me deliciei com a ausência de sons, inclusive da voz. Isso me ajudava a olhar mais e ouvir melhor. Pode parecer paradoxal, mas é assim mesmo. O silêncio nos faz ouvir o necessário. Outras coisas se tornam banais.
O barulho, hoje, não está somente nos ruídos externos. Imagens, frases, opiniões e julgamentos infundados são muito barulhentos também. E o que falar do estrondo produzido pelos olhos e mãos grudadas na tecnologia digital? A necessidade está na escuta. Nunca foi tão importante o ato de parar para ouvir seja a própria voz, a do outro, do mundo e aquela voz superior a quem muitos chamam de Deus.
Deixar de lado o barulho seja de sons ou não, trará muita percepção, principalmente aquela tão necessária para os dias atuais: a capacidade de acolher o outro, o diferente, ou até mesmo aquele tão próximo, da mesma casa, do mesmo quarto. O som, muitas vezes, desvia nossa atenção de alguns detalhes essenciais. Tantos dizem só saber trabalhar com um aparelho sonoro ligado, pois traz mais criatividade e destreza. Será que já provaram trabalhar ou criar no silêncio? O resultado pode ser surpreendente. Se já o experimentou e não conseguiu, o tempo não foi suficiente fazer a limpeza cerebral necessária. Tente.
A experiência com o deficiente auditivo me trouxe benefícios. Foi um presente. Ganhei uma chamada de atenção necessária para minha caminhada e a de tantos. Aprendi mais uma vez que a pausa para o silêncio pode nos fazer maiores, mais capazes e mais admiradores do que é simples e essencial: a vida.

Foto: Lucélia Arantes